Reconhecimento facial em condomínios: tecnologia avança, mas exige consentimento e cuidados com dados
Especialistas alertam para riscos à privacidade, falta de transparência e ausência de alternativas ao uso da biometria facial em edifícios residenciais; morador não é obrigado a aderir ao sistema

Reconhecimento facial em condomínios levanta preocupações jurídicas e pressiona síndicos por transparência
O uso de sistemas de reconhecimento facial para controle de acesso em condomínios residenciais tem se expandido em diversas regiões do Brasil. No entanto, a implementação dessa tecnologia tem gerado dúvidas entre moradores, especialistas em direito digital e autoridades de proteção de dados. A principal questão: o uso da biometria facial é realmente obrigatório para o condômino?
De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o consentimento para a coleta de dados sensíveis — como a imagem facial — deve ser livre, informado e explícito. Isso significa que nenhum morador pode ser obrigado a fornecer sua biometria facial para ter acesso ao próprio prédio. O condomínio, por sua vez, deve oferecer alternativas viáveis, como cartão magnético, chave física ou senha digital.
Apesar disso, na prática, muitos edifícios não respeitam esse direito. Em diversos relatos, moradores afirmam que não lhes foi oferecida outra forma de entrada além do reconhecimento facial, o que configura uma infração à LGPD. Especialistas alertam que o consentimento dado sob coerção ou sem clareza não tem validade legal.
Riscos vão além da privacidade: dados biométricos são irrecuperáveis
Entre os principais riscos do uso indiscriminado dessa tecnologia estão os vazamentos de dados. Ao contrário de uma senha, que pode ser alterada, o rosto é permanente — e, uma vez exposto, pode ser utilizado em fraudes bancárias, abertura de contas, golpes no sistema gov.br e até em autorizações falsas de empréstimos.
Há também o problema da falta de governança sobre os dados coletados. Muitas empresas contratadas para operar os sistemas de reconhecimento facial em condomínios não prestam contas sobre como os dados são armazenados, por quanto tempo ficam retidos e se de fato são excluídos quando solicitados. A ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), órgão responsável por fiscalizar o cumprimento da LGPD, atualmente não realiza inspeções periódicas, o que favorece a falta de transparência.
Direitos do morador e responsabilidade do síndico
Ao sair do condomínio ou desejar cancelar o uso da biometria, o morador deve solicitar a exclusão formal dos dados, preferencialmente por escrito e com protocolo de recebimento. Solicitações informais, como mensagens de WhatsApp, não oferecem garantias jurídicas de que a exclusão foi realizada de fato.
Além disso, síndicos e administradoras têm responsabilidade direta sobre o armazenamento e uso correto dessas informações. É dever do condomínio:
- Informar o morador sobre os termos de uso da tecnologia;
- Registrar o consentimento de forma clara;
- Oferecer meios para a exclusão e revogação do uso da biometria;
- Escolher prestadoras de serviço com políticas de segurança consistentes;
- Disponibilizar formas alternativas de acesso ao prédio.
A presença de visitantes e entregadores também precisa de atenção. A simples captura da imagem por câmeras de vigilância não caracteriza reconhecimento facial. No entanto, armazenar e processar a biometria facial dessas pessoas sem autorização é ilegal.
Consentimento deve ser específico e documentado
O uso do reconhecimento facial precisa estar respaldado por um termo de consentimento específico e separado, conforme determina o artigo 8º da LGPD. Não é válido inserir o aceite de uso da biometria dentro de contratos genéricos, como os de prestação de serviços do condomínio.
Além disso, o consentimento deve prever uma finalidade clara, informar quem terá acesso aos dados e oferecer um mecanismo simples para revogação. É dever do controlador — neste caso, o condomínio ou a empresa contratada — guardar a comprovação de que o morador concordou com a coleta e o uso dos dados.
Falta de regulação abre brechas perigosas
Especialistas alertam que a rápida adesão à tecnologia em condomínios ocorre sem regulação específica e com falhas graves de transparência. Muitas vezes, nem o síndico possui acesso a relatórios sobre como os dados estão sendo manipulados, armazenados ou protegidos contra invasões.
O Sindicato dos Condomínios do Estado de São Paulo (Sindicond) orienta os gestores a exigirem protocolo de exclusão segura, prazo definido de retenção de dados (recomendado por até 1 ano) e auditoria periódica dos sistemas utilizados. A adoção de tais medidas reduz a vulnerabilidade jurídica do condomínio e aumenta a confiança entre moradores.
Vazamentos e denúncias
Caso haja suspeita de uso indevido ou vazamento de dados, o morador deve procurar primeiro o síndico e a empresa responsável pela tecnologia. Se não houver resposta adequada, é possível registrar uma denúncia na ANPD por meio da plataforma.
Para isso, é fundamental reunir provas da tentativa prévia de contato, como e-mails, protocolos e mensagens registradas. A petição à ANPD só pode ser aceita mediante demonstração de que o condomínio foi informado e não tomou providências.
COMENTÁRIOS